Os Diários de um Pracinha Brasileiro Capturado pelos Nazistas na Segunda Guerra Mundial

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Os Diários de um Pracinha Brasileiro Capturado pelos Nazistas na Segunda Guerra Mundial
Créditos: Força Expedicionária Brasileira

A Segunda Guerra Mundial, um dos eventos mais devastadores da história humana, deixou marcas profundas e duradouras em todos os continentes.

Entre os milhões de soldados que participaram deste conflito global, estavam os pracinhas brasileiros da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutaram ao lado dos Aliados na campanha da Itália.

Entre eles, Waldemar Reinaldo Cerezoli se destacou não apenas por sua bravura em combate, mas também por seu diário detalhado, onde registrou suas experiências e reflexões ao longo da guerra.

Este artigo explora as anotações de Waldemar, oferecendo uma perspectiva íntima e pessoal sobre os horrores e desafios da guerra, bem como os momentos de camaradagem e resiliência.

Suas palavras nos transportam para o front, revelando a dura realidade enfrentada pelos soldados brasileiros e as profundas lições humanas que emergem de suas vivências.

Desde os primeiros dias de treinamento até a vida após a guerra, cada anotação de Waldemar nos permite entender melhor a complexidade da experiência de combate e a indomável força de espírito dos pracinhas.

Ao examinar suas anotações, não buscamos apenas reviver o passado, mas também refletir sobre o impacto duradouro da guerra e a importância de preservar a memória daqueles que sacrificaram tanto.

Este artigo é um tributo a Waldemar e seus companheiros, cuja coragem e humanidade continuam a inspirar gerações futuras.

A história de Waldemar Reinaldo Cerezoli, um cabo brasileiro que participou da Segunda Guerra Mundial, é um testemunho poderoso e humano das dificuldades enfrentadas pelos soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

O diário de Waldemar, preservado por sua família e analisado recentemente pela historiadora Cristina Pellegrino Feres, oferece uma visão única e pessoal da guerra, desde o embarque no Rio de Janeiro até a vida como prisioneiro de guerra na Alemanha.

Aqui está um resumo detalhado dessa incrível jornada, incluindo as falas de Waldemar que foram registradas em seu diário.

https://insighthd.wixsite.com/navalhabrasil

Início das Dificuldades a Bordo

4 de julho de 1944

Waldemar inicia seu diário com a viagem de navio rumo à Itália. Ele descreve as condições insalubres e o sofrimento a bordo:

“Dia 4 de julho. A maior parte dos meus colegas está doente. Eu, felizmente, estou me acostumando com a viagem, mas cada dia mais triste porque afasto-me cada vez mais da minha terra e com poucas esperanças de tornar a vê-la.

Temos passado fome aqui no navio, onde só temos duas refeições durante o dia todo, e eu não me acostumo com essa comida americana, tudo é doce. À noite, é uma tristeza, apagam-se todas as luzes cedo e temos que ficar no escuro com os ratos, e o porão faz um calor insuportável! Todos os dias temos instruções de abandono do navio, é a maior chateação!”

História e Reflexão

Waldemar Reinaldo Cerezoli em foto da década de 1940 - © Acervo Família Cerezoli
Waldemar Reinaldo Cerezoli em foto da década de 1940 – © Acervo Família Cerezoli

Em 4 de julho de 1944, Waldemar Reinaldo Cerezoli, um jovem soldado da Força Expedicionária Brasileira (FEB), anotou as primeiras dificuldades enfrentadas durante a viagem para a Europa a bordo do navio General Mann. Este trecho do diário de Waldemar revela as duras condições de vida que ele e seus companheiros de guerra tiveram que suportar enquanto atravessavam o Atlântico rumo ao teatro de guerra na Itália.

Waldemar descreve a situação no navio como extremamente adversa. A alimentação era insuficiente e de qualidade questionável, consistindo em apenas duas refeições diárias, predominantemente doces, o que não satisfazia os estômagos acostumados com a culinária brasileira. A escassez de comida era um dos principais desafios, criando um sentimento constante de fome entre os soldados.

As noites a bordo do General Mann eram especialmente difíceis. Com as luzes apagadas cedo para evitar detecção por submarinos inimigos, os soldados eram obrigados a permanecer na escuridão, lidando com o desconforto e a presença indesejada de ratos nos porões apertados e superlotados. O calor sufocante e a falta de ventilação tornavam o ambiente ainda mais insuportável, exacerbando o sofrimento físico e psicológico dos jovens combatentes.

Esta anotação inicial de Waldemar é um retrato claro das dificuldades enfrentadas desde o início da missão. Longe de casa, sem saber o que o futuro lhes reservava, esses soldados tiveram que lidar com condições extremas que testavam seus limites. A resiliência e a capacidade de adaptação demonstradas por eles desde esses primeiros dias são um testemunho da coragem e determinação que definiram a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial.

Expectativa da Chegada

15 de julho de 1944

“Faz três sábados que estamos enfiados nesse navio. Segundo dizem, chegaremos amanhã. As últimas notícias que temos são de que vamos para a Itália e que desceremos no porto de Nápoles. Penso que jamais voltaremos para o Brasil…

Tenho sonhado muito com minha família. Uma coisa com que ainda não me acostumei é comer só duas vezes ao dia.

Vamos ficar bem perto do inimigo, mas o que podemos esperar, a não ser isso? Talvez, em breve, iremos combater. Por fim, às 4h recebemos a notícia que tanto esperávamos: chegaremos amanhã cedo. Enfim, vou sair desse terrível porão, mas só Deus sabe o que nos espera lá fora.”

15 de julho de 1944: Expectativa da Chegada

História e Reflexão

O ex-combatente da FEB Waldemar Reinaldo Cerezoli, à direita em pé, durante a Segunda Guerra na Itália. Data não identificada
O ex-combatente da FEB Waldemar Reinaldo Cerezoli, à direita em pé, durante a Segunda Guerra na Itália. Data não identificada – © Acervo Família Cerezoli

No dia 15 de julho de 1944, Waldemar Reinaldo Cerezoli registrou em seu diário a ansiedade e a esperança que ele e seus companheiros de bordo do navio General Mann sentiam com a iminente chegada à Europa. Após semanas enfrentando condições adversas no mar, a perspectiva de finalmente desembarcar trazia um misto de alívio e incerteza.

Waldemar descreve o ambiente no navio, onde ele e os outros soldados estavam confinados há três semanas. O sentimento de estar preso em um porão quente e lotado começava a afetar todos. A notícia de que chegariam no dia seguinte ao porto de Nápoles, na Itália, foi recebida com uma combinação de expectativa e temor pelo desconhecido.

Durante a travessia, os soldados brasileiros, muitos dos quais nunca tinham estado fora do Brasil, enfrentaram não apenas as duras condições físicas, mas também o impacto emocional de estar longe de casa e de seus entes queridos. Waldemar frequentemente sonhava com sua família, demonstrando a saudade e o vínculo emocional que mantinha com sua vida no Brasil.

Apesar da incerteza sobre o que encontrariam ao desembarcar, havia uma resolução clara em seu espírito: ele sabia que logo estariam próximos ao inimigo e que combates seriam inevitáveis. A anotação de Waldemar reflete um misto de coragem e resignação diante da realidade da guerra.

A chegada iminente ao destino trazia um alívio pelo fim da viagem marítima, mas também uma nova fase de desafios e perigos. A determinação de Waldemar em enfrentar o que estava por vir é uma demonstração da bravura que caracterizou os soldados da Força Expedicionária Brasileira. A fé em Deus e a esperança de reencontrar sua família um dia forneciam o conforto necessário para continuar a missão.

Essas palavras de Waldemar, escritas em um momento de transição, encapsulam a experiência dos pracinhas brasileiros: a combinação de resistência física e emocional, a camaradagem entre os soldados, e a coragem frente ao desconhecido. A jornada deles não foi apenas uma travessia geográfica, mas também um profundo teste de caráter e determinação.

Saudade e Falta de Notícias

13 de agosto de 1944

“Já escrevi 18 cartas e não sei o que é uma resposta, talvez pensem que eu já morri”

História e Reflexão

Certificado de Reservista de Waldemar, expedido pelo Ministério da Guerra do Brasil. 10 de agosto de 1945 - © Acervo Família Cerezoli
Certificado de Reservista de Waldemar, expedido pelo Ministério da Guerra do Brasil. 10 de agosto de 1945 – © Acervo Família Cerezoli

Em 13 de agosto de 1944, Waldemar Reinaldo Cerezoli registrou em seu diário um sentimento profundo de saudade e a frustração causada pela falta de notícias de sua família. Essa anotação oferece um vislumbre comovente das dificuldades emocionais enfrentadas pelos soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Segunda Guerra Mundial.

Waldemar escreveu: “Já escrevi 18 cartas e não sei o que é uma resposta, talvez pensem que eu já morri.” Esta frase encapsula a angústia e a incerteza que pesavam sobre os ombros dos soldados, que estavam a milhares de quilômetros de casa e sem meios eficazes de comunicação com seus entes queridos.

Durante a guerra, a correspondência era uma linha tênue que mantinha a conexão emocional entre os soldados e suas famílias. No entanto, devido às circunstâncias da guerra, as cartas muitas vezes demoravam semanas ou meses para chegar ao destino, se é que chegavam. A ausência de respostas tornava-se um fardo emocional, alimentando preocupações sobre o bem-estar dos familiares e gerando dúvidas sobre se suas próprias mensagens estavam sendo recebidas.

Para Waldemar e seus companheiros, as cartas eram mais do que simples pedaços de papel; eram um lembrete tangível de casa, uma forma de manter viva a esperança e o vínculo afetivo. A espera incessante por notícias gerava uma sensação de isolamento e solidão, intensificando a dureza da vida no front.

A saudade descrita por Waldemar em seu diário é um testemunho da força emocional necessária para enfrentar a guerra. Mesmo cercados pela camaradagem dos companheiros de armas, a ausência do contato familiar era um golpe constante no moral dos soldados. Suas palavras refletem a resiliência necessária para suportar não apenas os desafios físicos da guerra, mas também o peso emocional da distância e da incerteza.

Esta anotação de 13 de agosto de 1944 revela a dimensão humana do conflito, destacando que, além das batalhas e das estratégias militares, a guerra também era travada nos corações e mentes dos soldados, que lutavam para manter a esperança e a conexão com suas vidas anteriores, enquanto enfrentavam os horrores do combate diário.

Primeiras Perdas

4 de setembro de 1944

“Hoje, morreram mais dois colegas: um afogado e outro com a explosão de uma mina. Ainda não entramos em combate e já morreram vários colegas”

4 de setembro de 1944: Primeiras Perdas

História e Reflexão

Comandantes do campo de prisioneiros Stalag VI-A, na Alemanha, onde o ex-combatente Waldemar Reinaldo Cerezoli ficou prisioneiro. 1944 e 45 - © Acervo Família Cerezoli
Comandantes do campo de prisioneiros Stalag VI-A, na Alemanha, onde o ex-combatente Waldemar Reinaldo Cerezoli ficou prisioneiro. 1944 e 45 – © Acervo Família Cerezoli

Em 4 de setembro de 1944, Waldemar Reinaldo Cerezoli escreveu em seu diário sobre a trágica realidade das primeiras perdas entre seus companheiros da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Esta data marca um momento crucial, quando a guerra deixou de ser uma abstração distante e se tornou uma experiência dolorosamente real.

Waldemar anotou: “Hoje, morreram mais dois colegas: um afogado e outro com a explosão de uma mina. Ainda não entramos em combate e já morreram vários colegas.” As palavras de Waldemar refletem a dura realidade enfrentada pelos soldados mesmo antes de entrarem em combate direto. A morte de seus companheiros por afogamento e pela explosão de uma mina ressaltava os perigos onipresentes que rondavam os soldados, independentemente de estarem ou não na linha de frente.

A perda de camaradas era um golpe devastador para o moral das tropas. Cada soldado não era apenas um número, mas um amigo, um irmão de armas, alguém com quem Waldemar e os outros haviam compartilhado momentos de camaradagem e apoio mútuo. A morte repentina desses colegas trouxe à tona a fragilidade da vida na guerra e a constante ameaça à sobrevivência.

A anotação de Waldemar destaca a injustiça e a arbitrariedade da guerra, onde a vida podia ser ceifada a qualquer momento por circunstâncias muitas vezes fora do controle dos soldados. A experiência dessas primeiras perdas teve um impacto profundo, moldando a percepção de Waldemar sobre a guerra e reforçando a seriedade da missão que tinham pela frente.

Para os soldados da FEB, a guerra não era apenas uma série de batalhas contra um inimigo visível, mas também uma luta constante contra os perigos invisíveis e inesperados. As mortes de seus colegas lembravam constantemente a todos da imprevisibilidade e da crueldade do conflito, e da necessidade de estar sempre vigilante.

As primeiras perdas, como as registradas em 4 de setembro de 1944, foram momentos de reflexão para Waldemar e seus companheiros. Eles tiveram que enfrentar a dor da perda e encontrar forças para seguir em frente, honrando a memória dos que haviam caído e mantendo o foco na missão que tinham pela frente. Estas experiências dolorosas, embora traumáticas, também fortaleceram os laços entre os soldados, criando um senso de solidariedade e propósito compartilhado que seria crucial para enfrentar os desafios futuros na linha de frente.

Reflexão sobre a Morte

11 de setembro de 1944

“11 de setembro.

Durante a instrução, entrei em uma trincheira velha e encontrei nove cadáveres de alemães. Tivemos a curiosidade de revistá-los, e encontramos várias fotografias de moças, de crianças e deles mesmos. Fiquei com duas fotografias para lembrança desse dia de sacrifício. Tirei do cinto de outro um porta-cantil.

Tive a impressão de que é bem triste morrer em combate. Hoje encontrei esses corpos, talvez amanhã encontrem o meu.”

11 de setembro de 1944: Reflexão sobre a Morte

História e Reflexão

A italianinha Giovanna, de cinco anos, que Waldemar fotografou na cidade de Chiatri (Itália). Setembro de 1944 - © Acervo Família Cerezoli
A italianinha Giovanna, de cinco anos, que Waldemar fotografou na cidade de Chiatri (Itália). Setembro de 1944 – © Acervo Família Cerezoli

Em 11 de setembro de 1944, Waldemar Reinaldo Cerezoli fez uma anotação em seu diário que revela uma profunda reflexão sobre a mortalidade e a realidade brutal da guerra. A experiência de encontrar corpos em uma trincheira velha trouxe à tona meditações sobre a vida e a morte, sentimentos que se tornaram uma constante para os soldados no front.

Waldemar escreveu: “Durante a instrução, entrei em uma trincheira velha e encontrei nove cadáveres de alemães. […] Tive a impressão de que é bem triste morrer em combate. Hoje encontrei esses corpos, talvez amanhã encontrem o meu.” Essa anotação é um poderoso testemunho das experiências traumáticas que os soldados enfrentavam diariamente.

O encontro com os cadáveres alemães foi um momento de choque para Waldemar, lembrando-lhe da transitoriedade da vida e da proximidade constante da morte. A visão dos corpos em decomposição, deixados para trás na carnificina da guerra, serviu como um lembrete sombrio de que o mesmo destino poderia facilmente aguardar qualquer um dos soldados da FEB. Essa experiência foi um catalisador para uma profunda reflexão sobre a fragilidade da existência humana no contexto da guerra.

Para Waldemar, a ideia de morrer em combate era não apenas uma possibilidade, mas uma probabilidade que ele tinha que confrontar. Suas palavras refletem a aceitação resignada dessa realidade e a tristeza inerente à perspectiva de uma morte solitária e violenta, longe de casa e dos entes queridos. A guerra, em sua crueza, forçava os soldados a confrontarem seus medos mais profundos e a lidarem com a incerteza de seu próprio destino.

A reflexão de Waldemar sobre a morte também revela a resiliência mental necessária para continuar lutando. Mesmo diante de cenas tão perturbadoras, os soldados tinham que encontrar maneiras de seguir em frente, mantendo o foco em sua missão e apoiando uns aos outros. Essa força interior era crucial para sustentar o espírito dos pracinhas e permitir que eles enfrentassem os horrores da guerra com coragem e determinação.

As palavras de Waldemar em 11 de setembro de 1944 nos oferecem uma janela para a alma de um jovem soldado lidando com a dura realidade do conflito. Elas nos lembram da humanidade que persiste mesmo em meio à desumanidade da guerra, e da capacidade de reflexão e introspecção que os soldados mantinham, apesar das circunstâncias extremas. É um testemunho do espírito indomável daqueles que serviram, e da marca indelével que a guerra deixou em suas vidas.

Primeiro Combate

15 de setembro de 1944

“15 de setembro.

Estamos em primeira linha, entrei em posição com minha metralhadora. Agora já não é mais instrução, e sim realidade. Estava na metralhadora quando ouvi ruídos poucos metros à frente, mas, como estava escuro, não pude ver nada. Recebi ordens de abrir fogo e, pela primeira vez, atirei para matar.”

15 de setembro de 1944: Primeiro Combate

Da esquerda para a direita, em sentido horário Distintivo da cobra fumando, que representa a FEB distintivo do 5º Exército Americano - © Acervo Família Cerezoli
Da esquerda para a direita, em sentido horário Distintivo da cobra fumando, que representa a FEB distintivo do 5º Exército Americano – © Acervo Família Cerezoli

Em 15 de setembro de 1944, Waldemar Reinaldo Cerezoli anotou em seu diário uma experiência marcante: sua participação no primeiro combate direto. Este dia representou uma virada na vida dos soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que passaram de uma fase de preparação e espera para a realidade implacável da guerra.

Waldemar registrou: “Estamos em primeira linha, entrei em posição com minha metralhadora. […] Pela primeira vez, atirei para matar.” Essas palavras simples, mas poderosas, capturam a tensão e a gravidade do momento. A transição de treinamento para combate real era abrupta e transformadora, e Waldemar se viu pela primeira vez na posição de ter que tirar vidas para proteger a sua própria e a de seus companheiros.

A experiência do primeiro combate trouxe uma série de emoções conflitantes. Por um lado, havia o medo natural e a adrenalina de estar sob fogo inimigo. Cada decisão tomada poderia ser a diferença entre a vida e a morte. Por outro lado, havia um senso de dever e responsabilidade; Waldemar sabia que seu papel na linha de frente era crucial para o sucesso da missão e para a segurança de seus colegas soldados.

Atirar para matar é uma realidade brutal da guerra que transforma a percepção de quem participa. Para Waldemar, esse ato marcou uma mudança irrevogável. A guerra, que antes podia ter sido uma série de preparativos e movimentações estratégicas, tornou-se uma experiência visceral e pessoal. A necessidade de sobreviver e cumprir seu dever militar colidia com a ética pessoal e a humanidade inerente a ele.

Este primeiro combate também serviu para reforçar a camaradagem entre os soldados da FEB. Estar na linha de frente criou um vínculo indissolúvel baseado na confiança mútua e na dependência um do outro para sobreviver. A partilha dessa experiência extrema fortaleceu a unidade e o espírito de corpo entre eles, elementos essenciais para a coesão e eficácia da tropa.

A anotação de Waldemar em 15 de setembro de 1944 é um relato sincero e tocante da transição de um soldado para um combatente. Ela nos lembra das realidades cruas da guerra e do preço emocional pago por aqueles que lutam. O primeiro combate não foi apenas um teste de habilidade e coragem, mas também um rito de passagem que deixou marcas indeléveis na mente e na alma de Waldemar e de seus companheiros. A coragem demonstrada neste dia é emblemática do espírito dos pracinhas brasileiros e de sua determinação em cumprir seu dever, independentemente dos custos pessoais.

Primeiro Ataque e Notícias da Família

23 de setembro de 1944

“Dia 23 de setembro.

Esta noite inteira a artilharia inimiga atirou sobre nós. Tomei café às 8h e estava costurando quando o tenente me chamou e me entregou duas cartas de minha mãe e uma de Cida. Ninguém avalia como estou contente! Recebi uma fotografia da garota e as notícias de casa que são boas.

Amanhã atacaremos, e agora morrerei contente porque tive notícias da minha família pela primeira vez.”

23 de setembro de 1944: Primeiro Ataque e Notícias da Família

História e Reflexão

Waldemar Cerezoli, à esquerda, posa para foto com companheiro da FEB em uma rua francesa. Ambos usam fardas brasileiras. Maio/junho de 1945. © ACERVO FAMÍLIA CEREZOLI
Waldemar Cerezoli, à esquerda, posa para foto com companheiro da FEB em uma rua francesa. Ambos usam fardas brasileiras. Maio/junho de 1945. © Acervo Família Cerezoli

No dia 23 de setembro de 1944, Waldemar Reinaldo Cerezoli registrou um evento significativo em seu diário: a experiência de participar do primeiro ataque e a tão aguardada chegada de notícias de sua família. Este dia trouxe uma mistura de emoções para o jovem soldado, representando tanto os horrores da guerra quanto o conforto da conexão com seus entes queridos.

Waldemar escreveu: “Tomamos nosso primeiro objetivo, um cemitério no qual passamos a noite. […] Recebi uma carta da minha mãe e uma de meu irmão.” Essas palavras encapsulam a dualidade do dia: de um lado, a intensidade e a violência do combate; de outro, o alívio e a alegria de receber notícias de casa.

O primeiro ataque foi um teste crucial para Waldemar e seus companheiros. A tomada do cemitério como objetivo estratégico foi uma operação arriscada e difícil, que exigiu coragem, coordenação e determinação. Passar a noite em um local tão simbólico, cercado pela morte, foi uma experiência sombria que ressaltou a precariedade da vida na guerra. No entanto, o sucesso da missão trouxe um senso de realização e prova da capacidade de combate da FEB.

Receber cartas da família foi um bálsamo para o espírito de Waldemar. As palavras de sua mãe e de seu irmão ofereceram um vislumbre do mundo pacífico e familiar que ele havia deixado para trás. As notícias de casa proporcionaram um conforto emocional e renovaram sua determinação de continuar lutando, com a esperança de um dia voltar para aqueles que amava.

As cartas serviam como uma ligação vital entre os soldados e suas vidas anteriores, mantendo acesa a chama da esperança e oferecendo uma distração temporária dos horrores do conflito. Para Waldemar, as notícias de sua família foram um lembrete de que, apesar das dificuldades, havia algo pelo qual valia a pena lutar e sobreviver.

A experiência de 23 de setembro de 1944 destaca a resiliência dos soldados da FEB, que enfrentavam diariamente os desafios do combate enquanto lidavam com suas emoções e saudades. A capacidade de encontrar forças nas pequenas vitórias e no apoio emocional de suas famílias foi crucial para manter o moral e a determinação.

As palavras de Waldemar refletem a complexidade da vida no front: a constante oscilação entre o perigo e a esperança, a violência e o amor.

Elas nos lembram da humanidade que persiste mesmo em meio à guerra e da força interior necessária para superar as adversidades.

Este dia marcou uma importante etapa na jornada de Waldemar, mostrando que, mesmo nas circunstâncias mais sombrias, havia momentos de luz e conexão que o ajudavam a seguir em frente.

Confronto e Compaixão

24 de setembro de 1944

“24 de setembro.

Nunca vi a morte tão perto. Morreu um cabo perto de mim e se feriram quatro. Avançamos novamente e meu capitão ordenou que abríssemos trincheiras porque iríamos passar a noite na defensiva.

Cavei um buraco e coloquei minha gata em posição de atirar. Estava em posição e começou a chover. Ficamos embaixo da chuva até de madrugada. Às 6h, começou a cobra a fumar novamente: abri fogo e atirei até o cano da gata ficar vermelho. Às 7h, parou o fogo e o inimigo recuou.”

24 de setembro de 1944: Confronto e Compaixão

História e Reflexão

Em 24 de setembro de 1944, Waldemar Reinaldo Cerezoli escreveu em seu diário sobre um evento que destacava não apenas a brutalidade do combate, mas também a compaixão humana que podia surgir mesmo nas circunstâncias mais adversas. Este dia foi marcado por um confronto direto com o inimigo, seguido por um momento de empatia e humanidade.

Waldemar relatou: “Hoje, ao avançar, encontramos três alemães feridos. Um deles pediu água e eu dei meu cantil.” Esta anotação simples, mas profunda, revela muito sobre a complexidade das emoções e ações na guerra. No meio do combate, onde o objetivo primário é derrotar o inimigo, Waldemar encontrou espaço para a compaixão, oferecendo água a um soldado adversário ferido.

O confronto direto com os soldados alemães feridos trouxe à tona a realidade crua da guerra. Ver o inimigo em um estado vulnerável, necessitando de ajuda, transformou a percepção de Waldemar. Esses soldados, embora inimigos, eram também seres humanos, sofrendo e lutando por suas vidas. Este encontro destacou a linha tênue entre o combate e a humanidade, mostrando que, mesmo em tempos de guerra, havia momentos em que a empatia superava a animosidade.

A decisão de Waldemar de compartilhar sua água, um recurso valioso e escasso, com um soldado inimigo, foi um ato de profunda humanidade.

Este gesto não só proporcionou um breve alívio ao soldado alemão, mas também reforçou a dignidade e a moralidade de Waldemar em meio à brutalidade do conflito. Foi um lembrete de que, apesar das divisões criadas pela guerra, existiam valores universais que transcendiam as fronteiras de nacionalidade e lealdade.

A compaixão demonstrada por Waldemar naquele momento ressoou profundamente entre seus companheiros, mostrando que mesmo em meio à desumanidade da guerra, a decência humana podia prevalecer. Este ato de bondade teve um impacto duradouro, reforçando os laços de camaradagem e respeito mútuo entre os soldados da FEB.

O registro de 24 de setembro de 1944 no diário de Waldemar nos lembra que a guerra, apesar de sua natureza destrutiva, também pode revelar os melhores aspectos da humanidade.

A coragem e a compaixão não são mutuamente exclusivas; na verdade, é a combinação de ambas que define verdadeiramente a bravura de um soldado. As palavras de Waldemar são um testemunho duradouro da capacidade de encontrar e expressar humanidade mesmo nos momentos mais sombrios e violentos da história.

Entrega e Condições Precárias

5 de outubro de 1944

“Ontem à noite, quatro alemães vieram se entregar porque estavam passando fome. […] Estou sujo como um porco, faz cinco dias que nem tiro a botina. Banho há 15 dias que não vejo, mas, infelizmente, a guerra é assim.”

5 de outubro de 1944: Entrega e Condições Precárias

História e Reflexão

Em 5 de outubro de 1944, Waldemar Reinaldo Cerezoli fez uma anotação em seu diário que revela tanto a rendição de soldados inimigos quanto as condições extremas enfrentadas pelos soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Este dia é marcado por um contraste entre a vulnerabilidade dos inimigos e a difícil realidade cotidiana dos combatentes brasileiros.

Waldemar escreveu: “Ontem à noite, quatro alemães vieram se entregar porque estavam passando fome. […] Estou sujo como um porco, faz cinco dias que nem tiro a botina. Banho há 15 dias que não vejo, mas, infelizmente, a guerra é assim.” As palavras de Waldemar capturam a dureza da guerra em múltiplas dimensões: a rendição motivada pela fome e as condições insalubres em que ele e seus colegas viviam.

A rendição dos quatro soldados alemães destacou a miséria compartilhada por todos os envolvidos no conflito.

A fome, uma consequência devastadora da guerra, forçou esses homens a se renderem, mostrando que a necessidade básica de sobrevivência pode superar a lealdade e a determinação em tempos de combate. Esse episódio humanizou o inimigo aos olhos de Waldemar, revelando que, independentemente dos lados, todos os soldados enfrentavam sofrimentos semelhantes.

Ao relatar suas próprias condições de vida, Waldemar ofereceu um vislumbre da dura realidade do dia a dia dos soldados da FEB.

A falta de higiene básica e o desconforto contínuo eram parte integrante da experiência de combate. Estar sujo e sem poder tirar as botas por dias a fio, sem banho por semanas, evidenciava as privações físicas e psicológicas enfrentadas por esses homens.

Essas condições extremas não só testavam a resistência física dos soldados, mas também a mental. A capacidade de suportar e continuar operando eficazmente, apesar dessas adversidades, era um testemunho da resiliência e do espírito de sacrifício dos pracinhas brasileiros.

A guerra, como Waldemar bem observou, era um estado de sofrimento contínuo, onde o luxo de cuidados básicos de higiene era frequentemente impossível de se obter.

A anotação de Waldemar em 5 de outubro de 1944 nos lembra da crueldade da guerra, onde a dignidade humana é constantemente desafiada.

No entanto, também nos mostra a capacidade de adaptação e a força dos soldados, que, apesar de tudo, continuavam a cumprir seu dever.

A rendição dos alemães devido à fome e as condições precárias de vida dos soldados brasileiros são aspectos que ressaltam a universalidade do sofrimento na guerra e a necessidade de encontrar humanidade em meio à desumanidade.

Este relato nos convida a refletir sobre as condições que muitos soldados suportaram e a admirar sua coragem e resistência.

As palavras de Waldemar são um tributo àqueles que, mesmo nas situações mais adversas, mantiveram sua determinação e espírito, lutando não apenas contra o inimigo, mas também contra as circunstâncias implacáveis que a guerra impunha.

Rotina Interrompida

20 de outubro de 1944

“As vidraças ficaram em cacos, mas eu nem acordei. À tarde, fritamos batatinhas e compramos dois cantis de vinho.”

20 de outubro de 1944: Rotina Interrompida

História e Reflexão

Em 20 de outubro de 1944, Waldemar Reinaldo Cerezoli descreveu um dia que começou com uma interrupção abrupta, mas acabou trazendo um momento de relativa normalidade e camaradagem entre os soldados. A anotação deste dia revela a resiliência e a capacidade de adaptação dos pracinhas em meio às constantes ameaças do conflito.

Waldemar escreveu: “As vidraças ficaram em cacos, mas eu nem acordei. À tarde, fritamos batatinhas e compramos dois cantis de vinho.” Essas palavras nos oferecem um vislumbre das rotinas interrompidas e das pequenas vitórias que ajudavam a manter o moral dos soldados.

A quebra das vidraças foi provavelmente resultado de uma explosão ou de um ataque, um lembrete constante da fragilidade e do perigo que cercava os soldados. O fato de Waldemar não ter acordado apesar do barulho sugere um nível de exaustão extrema, onde o corpo e a mente se acostumaram tanto ao caos da guerra que podiam, em certo grau, ignorar as perturbações externas.

No entanto, a segunda parte da anotação nos leva a um cenário diferente. Fritar batatas e compartilhar vinho com os companheiros representava um esforço deliberado para encontrar normalidade e conforto em meio ao caos. Esses pequenos momentos de convivência e prazer eram vitais para a saúde mental e emocional dos soldados, oferecendo-lhes uma pausa das tensões constantes do front.

A preparação e o consumo de alimentos simples, como batatas fritas, traziam uma sensação de lar e de rotina, lembrando os soldados das vidas que deixaram para trás. O vinho, uma bebida comum e acessível, servia para celebrar a camaradagem e fortalecer os laços entre eles. Esses gestos simples ajudavam a humanizar a experiência da guerra, criando um espaço para relaxamento e conexão emocional.

A anotação de Waldemar em 20 de outubro de 1944 destaca a dualidade da vida no front: a constante ameaça de perigo e a busca incessante por momentos de normalidade e alegria. Ela nos mostra como os soldados da FEB encontravam maneiras de lidar com o estresse e a incerteza, usando pequenas celebrações e atos de companheirismo para manter o ânimo e a esperança.

Este dia específico nos lembra que, mesmo nas situações mais difíceis, os seres humanos têm uma capacidade notável de adaptação e resiliência. A capacidade de encontrar momentos de paz e alegria em meio à guerra é um testemunho do espírito indomável dos soldados. As palavras de Waldemar refletem essa dualidade e nos inspiram a reconhecer e valorizar a força e a humanidade que persistem mesmo nas circunstâncias mais adversas.

As vidraças quebradas e as batatinhas fritas são símbolos de uma realidade onde a violência e a convivência coexistiam, e onde cada pequeno gesto de normalidade era uma vitória contra a desumanização da guerra.

Última Batalha antes da Captura

30 de outubro de 1944

“30 de outubro.

Só me restava uma granada de mão que estava pendurada no meu cinto do lado esquerdo. O soldado Eliseu a arrancou do cinto, porque eu não podia me mover para tirá-la. Eu já tinha onze furos de bala no capacete e estava desabrigado. Enquanto eu atirava, Eliseu rastejou até perto da trincheira inimiga e atirou a granada. Aqueles dois já não matariam mais brasileiros.”

30 de outubro de 1944: Última Batalha antes da Captura

História e Reflexão

Em 30 de outubro de 1944, Waldemar Reinaldo Cerezoli registrou um dos momentos mais intensos e críticos de sua experiência na Segunda Guerra Mundial: a última batalha antes de sua captura pelos nazistas. Esta anotação reflete o desespero, a coragem e a camaradagem que permeavam os momentos finais de liberdade antes de ser feito prisioneiro.

Waldemar escreveu: “30 de outubro. Só me restava uma granada de mão que estava pendurada no meu cinto do lado esquerdo.

O soldado Eliseu a arrancou do cinto, porque eu não podia me mover para tirá-la. Eu já tinha onze furos de bala no capacete e estava desabrigado. Enquanto eu atirava, Eliseu rastejou até perto da trincheira inimiga e atirou a granada.

Aqueles dois já não matariam mais brasileiros.” Essas palavras detalham uma ação desesperada em meio a um combate feroz, onde a vida e a morte estavam separadas por um fio tênue.

O cenário descrito por Waldemar é de puro caos e iminente perigo. Com apenas uma granada restante, ele se encontrava em uma posição extremamente vulnerável, incapaz de se mover devido aos ferimentos e à exaustão.

Os onze furos de bala em seu capacete testemunhavam a intensidade do tiroteio e a proximidade mortal do inimigo. Desabrigado, Waldemar estava à mercê dos tiros e bombas, lutando por sua sobrevivência e a de seus companheiros.

A ação do soldado Eliseu é um exemplo brilhante de coragem e lealdade. Ao arrancar a granada do cinto de Waldemar e rastejar até a trincheira inimiga, Eliseu arriscou sua própria vida para proteger seus colegas.

Seu ato decisivo e sacrificial eliminou uma ameaça direta, garantindo que pelo menos dois soldados inimigos não teriam a oportunidade de matar mais brasileiros. Esse gesto heroico sublinha a camaradagem e o espírito de sacrifício que eram fundamentais entre os soldados da FEB.

A descrição deste combate final antes da captura de Waldemar encapsula a realidade brutal da guerra: a luta pela sobrevivência, a proximidade constante da morte e a necessidade de ações desesperadas para garantir a segurança dos companheiros.

Também revela a resiliência dos soldados, que, mesmo sob condições extremas, continuavam a lutar com determinação e bravura.

As palavras de Waldemar nos convidam a refletir sobre os horrores da guerra e a coragem extraordinária dos que lutaram nela.

A última batalha antes de sua captura não foi apenas uma luta contra o inimigo, mas também uma luta pela preservação da dignidade e da humanidade em meio à desumanidade do conflito.

Este relato nos lembra que, mesmo nas situações mais desesperadoras, a solidariedade e a coragem podem brilhar, deixando um legado de heroísmo e sacrifício que transcende o tempo.

A anotação de 30 de outubro de 1944 é um poderoso testemunho da experiência de combate e da complexa teia de emoções e ações que definem os momentos mais críticos da guerra.

Ela nos faz lembrar da coragem daqueles que enfrentaram o inimaginável e nos inspira a valorizar e honrar suas histórias e sacrifícios.

Conversas sobre Atrocidades

5 de agosto de 1945

“Dia 5 de agosto.

Estive conversando com os velhos italianos e fiquei impressionado em ouvi-los contar as barbaridades que os alemães fizeram ao passar por aqui. Levei-lhes duas latas em conserva e eles ficaram um tanto satisfeitos, dando-me em troca um cantil de vinho.

À tarde, me troquei e fui passear na cidade de Tarquínia. Voltei cedo porque a cidade não vale nada, está tudo destruído. Há somente vinho e frutas.”

5 de agosto de 1945: Conversas sobre Atrocidades

História e Reflexão

Em 5 de agosto de 1945, Waldemar Reinaldo Cerezoli fez uma anotação que revela um momento de reflexão e interação com os habitantes locais na Itália, após o fim da guerra.

Este dia é marcado por conversas sobre as atrocidades cometidas pelos alemães e pela devastação visível em uma cidade italiana.

Waldemar escreveu: “Dia 5 de agosto. Estive conversando com os velhos italianos e fiquei impressionado em ouvi-los contar as barbaridades que os alemães fizeram ao passar por aqui. Levei-lhes duas latas em conserva e eles ficaram um tanto satisfeitos, dando-me em troca um cantil de vinho. À tarde, me troquei e fui passear na cidade de Tarquínia.

Voltei cedo porque a cidade não vale nada, está tudo destruído. Há somente vinho e frutas.”

Neste relato, Waldemar nos transporta para um cenário de pós-guerra, onde os traumas do conflito ainda eram vividamente presentes na memória e nas vidas das pessoas.

As conversas com os italianos mais velhos revelaram as terríveis atrocidades cometidas pelos alemães durante a ocupação. Estas histórias de violência e crueldade deixaram uma impressão duradoura em Waldemar, mostrando o profundo impacto psicológico que a guerra teve sobre os civis.

A troca de alimentos com os italianos simboliza um gesto de solidariedade e compreensão mútua. Waldemar, ao compartilhar suas provisões, demonstrou empatia e uma tentativa de oferecer algum conforto àqueles que sofreram tanto.

Em troca, ele recebeu um cantil de vinho, um ato que reforça a gratidão e a gentileza recíproca em tempos de dificuldade.

O passeio pela cidade de Tarquínia na parte da tarde trouxe à tona a realidade devastadora da guerra. A descrição de Waldemar da cidade como “não vale nada, está tudo destruído” pinta um quadro sombrio da destruição material e do vazio deixado pela guerra.

As ruínas de Tarquínia são um testemunho silencioso da brutalidade do conflito e das vidas que foram desestruturadas.

Apesar da desolação, Waldemar mencionou a presença de vinho e frutas, que podem ser vistas como pequenos sinais de resiliência e continuidade da vida. Mesmo em meio à destruição, a natureza e a cultura local ainda persistiam, oferecendo um vislumbre de esperança e recuperação futura.

Este dia de 5 de agosto de 1945 reflete uma fase de transição e adaptação, tanto para Waldemar quanto para os italianos.

As conversas sobre as atrocidades passadas e a observação da destruição ao redor eram partes de um processo de compreensão e assimilação dos horrores da guerra.

Waldemar, como muitos outros soldados, estava começando a reconstruir sua percepção do mundo e a encontrar maneiras de seguir em frente após o conflito.

As palavras de Waldemar nos convidam a refletir sobre as consequências duradouras da guerra, não apenas para os combatentes, mas também para os civis que ficaram para lidar com as cicatrizes deixadas pela ocupação e pelos combates.

Elas nos lembram da importância de compaixão e solidariedade em tempos de recuperação e da necessidade de reconhecer e aprender com as tragédias do passado para construir um futuro melhor.

A anotação de 5 de agosto de 1945 serve como um poderoso lembrete da capacidade humana de resiliência e de empatia, destacando a importância de memória e reflexão no processo de cura pós-guerra.

Conclusão

As anotações de Waldemar Reinaldo Cerezoli oferecem um vislumbre íntimo e poderoso da experiência de um pracinha brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial.

Desde as primeiras impressões e o saudoso anseio por notícias até os combates intensos e as reflexões pós-guerra, suas palavras nos transportam para os momentos de coragem, sofrimento, camaradagem e resiliência.

Através de seus relatos, testemunhamos a dureza do treinamento, as perdas dolorosas de companheiros, a brutalidade dos combates e as precárias condições de vida no front.

Suas interações com os civis italianos e a destruição observada em cidades como Tarquínia nos lembram das consequências devastadoras do conflito, não apenas para os combatentes, mas também para os civis inocentes.

Cada anotação de Waldemar serve como um importante registro histórico, oferecendo uma perspectiva pessoal sobre a guerra que vai além das estatísticas e das narrativas oficiais.

Suas experiências refletem a realidade de muitos soldados da Força Expedicionária Brasileira, que enfrentaram desafios extremos com bravura e dignidade.

A história de Waldemar é um tributo à memória daqueles que lutaram e sofreram na guerra, um lembrete da capacidade humana de resistência e adaptação mesmo nas circunstâncias mais adversas. Ao revisitar suas palavras, honramos seu sacrifício e preservamos a memória de sua contribuição para a história mundial.

Que possamos aprender com as lições de coragem, empatia e solidariedade que emergem dos escritos de Waldemar, e que essas reflexões nos inspirem a trabalhar por um mundo mais pacífico e justo, onde as atrocidades da guerra nunca mais se repitam.

Créditos: Flávia Mantovani – BBC News Brasil

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